domingo, 14 de setembro de 2008

Que Pai é esse...Tão Belo? (Parte II)

Eu sou mesmo uma felizarda, sou rodeada de irmãos poetas, sobrinhos pintores, primos cantores- compositores e por aí vai. É uma família de artistas, ou pelo menos de pessoas sensíveis às mazelas humanas, doando uma parte de si em busca dos mistérios da alma.


Continuando as homenagens ao nosso pai, meu irmão Zirnaldo explode suas emoções de saudade nessa segunda parte, agora mais voltada a prosa, e mais uma vez, cheia da amor e devoção a um pai que se foi.

MEMÓRIAS DO SAUDOSO BIDA

Por Zirnaldo Rocha

ELE tinha muitos apelidos carinhosos:
Bidão, Bida, Bid, Dedé, Vovô Bida, Vovô da Bahia, Bio, Capitão, mestre...


O seu nome de registro foi inspirado num personagem grego por nome Alcebíades (o que parece explicar o seu senso de filosofia – vinda da fonte – e da sua sabedoria de berço, cujas colocações de vida nos surpreendiam e nos faziam perguntar: ‘como aprendeu esses princípios e colocações tão acertadas sobre a vida e condutas humanas, sem ter o primário completo e sem nenhum contato com a leitura de livros de autores famosos?)

O Alcebíades grego foi um guerreiro lutador – o Alcebíades, meu pai, também...
O Alcebíades grego vem da palavra “Alkibiades” que significa; violento e generoso.

Violento, todos sabemos que meu pai não foi – ele foi, isto sim, bravo quando contemplava o seu direito, ou o direito do semelhante desrespeitado, tolhido... Aí, ele virava uma fera – quase violento mesmo!

(Mesmo sem ter lido a Bíblia, ele aplicava na prática o princípio divino que diz: “Irai-vos e não pequeis; Não se ponha o sol sobre a vossa ira” – Efésios 4:26).

Generoso como o Alcebíades grego, ele foi – e como foi! Que o digam as pessoas ajudadas por ele: parentes, vizinhos, pessoas em geral que o conheceram e foram beneficiadas por ele; estudantes carentes, famílias pobres, viajantes sem o dinheiro da passagem, famintos sem o pão, sem a roupa e o teto, os doentes sem remédios...

Quando passamos com ele um mês em Salvador, cuidando dele em substituição dos cuidados do meu irmão Gélbio, que se encontrava em tratamento de saúde, todas as noites eu o chamava ao alpendre da casa e lhe dizia: “Pai, sente-se aqui, vamos “bater papo” sobre a vida, o passado, a família”.

Ele sempre respondia com um termo pitoresco e muito próprio do vocabulário dele – nós ríamos felizes ao ouvir sempre a sua resposta invariável, um sonoro “QUÁ...!”

Embora sua resposta fosse sempre esta, ele complementava: “vou ali buscar a minha bicicleta”
– ou seja, a sua confortável poltrona com rodinhas (presente do Gélbio) – aí, então, ele se assentava e começávamos o nosso colóquio vespertino.


Uma noite, relembrando o seu lado generoso com as pessoas, eu lhe disse: ‘Pai, o senhor sempre foi um homem generoso, brilhante na bondade com as pessoas, eu me lembro bem disto pai, como os vizinhos, parentes e pessoas simples falavam isto, exaltavam este lado bom do senhor, do seu coração benévolo e sensível...’

Sua colocação, em resposta à minha fala, me encanta até hoje, me enobrece pela expressão da sabedoria do meu pai, do seu equilíbrio emocional, da sua coerência, embora fosse um homem com noventa e quatro anos de idade e tivesse perdido quase completamente a memória, a ponto de não reconhecer até as pessoas mais íntimas da própria família.

Ele respondeu com sabedoria: “É, meu filho, uns dão muito, e outros recebem tão pouco... Infelizmente assim é a vida...!”

Quando falava com ele do trabalho que demos como filhos, ele respondia com muita sinceridade e resignação: “É verdade, vocês me deram muito trabalho, mas tudo já passou, não é?”

Ah! Nosso querido pai, você nos deixou sem a vida ao seu lado – contudo, temos o consolo da sua lembrança generosa, da sua alegria e gratidão contagiantes, do seu maravilhoso senso de humor, das suas “tiradas” fantásticas e, o mais importante, a lembrança do seu caráter honesto, terno e dócil como uma criança...

Bem disse Coelho Neto:

“O corpo que morre
é como o frasco de fina essência que se quebra,
deixando a casa por muito tempo impregnada de aroma,
até que tudo vai se desvanecendo,
ficando apenas a saudade,
que é a memória do coração.”

Nosso pai Bidão foi esse frasco – do tamanho de um jarro de flores – de fina essência, cujo perfume de vida nunca deixará de impregnar a nossa existência, a nossa lembrança e o sentido do nosso coração.

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