Ele era de uma doçura e paciência ímpar. Nunca se queixava, nem das dores dos últimos dias. Mesmo quando ia ao veterinário, o que era lugar comum nos últimos meses, suportava dignamente todas as agulhadas e especuladas.
Seu amigo Lucca, um rapazola em plena energia da adolescência, não lhe deixava quieto e queria a todo o custo mais intimidade e brincadeira, mas ele, com a sapiência de um idoso, compreendia o afoito da idade e não revidava nunca, apenas mudava de lugar, o que não adiantava muito pois Lucca colava feito chiclete.
Quando era mais jovem, adorava ficar no jardim comigo correndo atrás dos esquilos e passarinhos que inundava os canteiros numa manhã de sol de primavera. Eram dias mágicos, onde eu transbordava de felicidade com a cumplicidade de meu companheirinho de todas as horas.
Tentei várias vezes pintá-lo numa tela, mas aquela quantidade de pelo negro me ofuscava e me deixava com os pincéis impotentes diante de tamanha complexidade da forma, mas Faby descobriu um jeito de imortalizá-lo nesta tela branca e preta.
Ele passou 14 anos dormindo comigo, mesmo que tinha essa caminha gostosa e quentinha, que só era visitada para aquela esfregada básica, quando voltava do jardim cheinho de carrapicho.
Dormia, comia, tomava banho e passeava sob a minha mira, como uma sombra, que a gente pensa que nunca nos deixará.
Mas eis que chega o dia de voltar a fonte de origem, de sair do manifesto para o não-manifesto, da partícula para a onda, da temporariedada para a eternidade e fazer nos lembrar de que tudo muda aqui nesse mundo de sonhos. Ele agora, dorme o sono dos justos.
No lado de cá... sobrou o vazio, a tristeza, a saudade, a solidão, as lágrimas. É tempo de luto.
Mas isso também vai passar como todo o resto do universo.........................................................
Billa, obrigada pela sua presença na minha vida!