sexta-feira, 19 de março de 2010

Avatar e a saga da Floresta Amazônica




O cenário é extraordinário, a imaginação é infinita, os detalhes soberbos de tão perfeitos, mas a história...
é a velha fórmula do bem contra o mal, mas acho que o ser humano está  tão inserido na dicotomia dos opostos, que não pode fugir deles. Enfim...gostei muito da primeira hora do filme e depois achei entediante e jamais o colacaria na lista de melhor filme do ano.
Deixando as críticas de lado, hoje me deparei com a visão de Marina Silva sobre o filme Avatar e  a comparação com a floresta Amazônia. Achei interessante e resolvi divulgar parte do texto.






"Teve um momento, vendo Avatar, que me peguei levando a mão à frente para tocar a gota d´água sobre uma folha, tão linda e fresca. Do jeito que eu fazia quando andava pela floresta onde me criei, no Acre.

A guerreira na’vi bebendo água na folha como a gente bebia. No período seco, quando os igarapés quase desapareciam, o cipó de ambé nos fornecia água. Esse cipó é uma espécie de touceira que cai lá do alto das árvores, de quase 35 metros, e vai endurecendo conforme o tempo passa. Mas os talos mais novos, ainda macios, podem ser cortados com facilidade. Então, a gente botava uma lata embaixo, aparando as gotas, e quando voltava da coleta do látex, a lata estava cheia. Era uma água pura, cristalina, que meu pai chamava de água de cipó. E aprendíamos também que se nos perdêssemos na mata, era importante procurar cipó de ambé, para garantir a sobrevivência.

É incrível revisitar, misturada à grandiosidade tecnológica e plástica de Avatar, a nossa própria vida, também grandiosa na sua simplicidade. Sofrida e densa, cheia de riscos, mas insubstituível em beleza e força. Éramos muito pobres, mas não passávamos fome. A floresta nos alimentava. A água corria no igarapé. Castanha, abiu, bacuri, breu, o fruto da copaiba, pama, taperebá, jatobá, jutai, todas estavam ao alcance. As resinas serviam de remédio, a casca do jatobá para fazer chá contra anemia. Folha de sororoca servia pra assar peixe e também conservar o sal. Como ele derretia com a umidade, tinha que tirar do saco e embrulhar na folha bem grande, que geralmente nasce em região de várzea. Depois amarrava com imbira e deixava pendurado no alto do fumeiro para que o calor mantivesse o sal em boas condições. Aprendi também com meu pai e meu tio a identificar as folhas venenosas que podiam matar só de usá-las para fazer os cones com que bebíamos água na mata.



O filme foi um passeio interno por tudo isso. Chorei diversas vezes e um dos momentos mais fortes foi quando derrubam a grande árvore. Era a derrubada de um mundo, com tudo o que nele fazia sentido. E enquanto cai o mundo, cai também a confiança entre os diferentes, quando o personagem principal se confessa um agente infiltrado para descobrir as vulnerabilidades dos na’vi. E, em seguida, a grande beleza da cena em que, para ser novamente aceito no grupo, tem a coragem de fazer algo fora do comum, montando o pássaro que só o ancestral da tribo tinha montado, num ato simbólico de assunção plena de sua nova identidade.


Impossível não fazer as conexões entre o mundo de Pandora, em Avatar, e nossa história no Acre. Principalmente quando, a partir da década de 70 do século passado, transformaram extensas áreas da Amazônia em fazendas, expulsando pessoas e comunidades, queimando casas, matando índios e seringueiros. A arrasadora chegada do “progresso” ao Acre seguiu, de certa forma, a mesma narrativa do filme. Nossa história, nossa forma de vida, nosso conhecimento, nossas lendas e mitos, nada disso tinha valor para quem chegava disposto a derrubar a mata, concentrar a propriedade da terra, cercar, plantar capim e criar boi. Para eles era “lógico” tirar do caminho quem ousava se contrapor. Os empates, a resistência, a luta quase kamikaze para defender a floresta, usando os próprios corpos como escudos, revi internamente tudo isso enquanto assistia Avatar.


Pode-se até ver no filme um fio condutor banal, uma história de Romeu e Julieta intergalática. Não creio que isso seja o mais importante. Se os argumentos não são tão densos, a densidade é complementada pela imagem poderosa e envolvente, pelo lúdico e a simplicidade da fala. Se houvesse uma saturação de fala, de conteúdos, creio que perderia muito. A força está em, de certa maneira, nos levar a sermos avatares também e a tomar partido, não só ao estilo do Bem contra o Mal, mas em favor da beleza, da inventividade, da sobrevivência de lógicas de vida que saiam da corrente hegemônica e proclamem valores para além do cálculo material que justifica e considera normais a escravidão e a destruição dos semelhantes e da natureza."


Para ver o texto completo : http://www.minhamarina.org.br/blog/2010/03/avatar-e-a-sindrome-do-invasor/

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ayrson Heráclito - um mano qualquer

Orgânico, controverso, poético, destemido, mas sobretudo simples, catingueiro e ao mesmo tempo freudiano - esse é meu amigo de longos tempos, de longos papos, das pedrinhas e prá nao dizer que nao falei das flores - Ayrson Heráclito, para o mundo e Freud prá mim.





Freud é um desses seres que impressiona, que encanta, que contagia; tanto pela sensibilidade, inteligência, veia artística e sobretudo, pela doçura beija-flor: aquele passarinho pequeno mas extremamente forte e veloz.




Só agora recente é que reencontrei essa figura e fiquei a par de suas peripécias artística-culturais, daí a vontade de propagar essa luz para os confins do meu mundinho virtual.
                                                           

Artista Visual , pesquisador e curador. Suas obras, que transitam pela instalação, fotografia, audiovisual e performance, lidam com frequência com elementos da cultura afro-brasileira e já foram apresentadas em mostras nacionais e internacionais: Bienais,Salões, Exposições individuais, e festivais de arte eletrônicas, como a 3 Bienal do Mercosul ( Porto Alegre)2001, Design 21 (Nova York) 2001 e o MIP2 - Manifestação Internacional de Performance (Belo Horizonte) 2009. possui obras em acervos no Museum der Weltkulturen Franfurt na Alemanha, no Museu de Arte Moderna da Bahia, no Videobrasil e em diversas coleções particulares.

Imerso no orgânico, Ayrson vem se lambuzando de açucar com afeto, de tabaco e alforria, sempre preocupado com as raízes negras, brancas, verdes, amarelas, sem cor ou de cor qualquer, ou de cor da terra esquecida nos murais hipócritas dos homens. 

Esse é o  Projeto SACCHARUM MAM- BA



Um deus negro sentado sobre uma saca de açúcar com dreadlocks de fumo de rolo, nina em um quase transe, um pequeno barco de papel feito de uma carta de alforria.

Só prá contrariar, ele se veste de carne prá desnudar a própria carne e expor a violência sofrida nos idos da escravidão passada e atual. É a performance “A Transmutação da Carne”, apresentada no Instituto Cultural Brasil Alemanha (2000). Tudo feito em carne, costurada com barbante.





E no Mip 2 - Bori


 a pipoca poca...



 o quiabo escorrega,



a batata é doce,

o feijão maravilha tutancamon 



o milho desboneca


e lá , no meio do reino vegetal encantado, o guerreiro comanda...







respeitosamente, ritualisticamente, ecumenicamente. Uma mistura de força e espírito criativo do artista, do homem, do Ser.
 
 
                                                                                                                                                               Esse é uma pequena mostra desse universo Heráclito- freudiano que é ao mesmo tempo doce, melado, salgado, gostoso, erótico e bonito de se ver.
 
 
Obrigada amigo por aparecer na minha vida mais uma vez.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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