Era uma vez, em tempo nenhum, uma Pequena Alma que disse a Deus:
- Eu sei quem sou!
E Deus disse:
- Que bom! Quem és tu?
E a Pequena Alma gritou:
- Eu sou Luz
E Deus sorriu.
- É isso mesmo! - exclamou Deus. - Tu és Luz!
A Pequena Alma ficou muito contente, porque tinha descoberto aquilo que todas as almas do Reino deveriam descobrir.
- Uauu, isto é mesmo bom! - disse a Pequena Alma.
Mas, passado pouco tempo, saber quem era já não lhe chegava.
A pequena Alma sentia-se agitada por dentro, e agora queria ser quem era.
Então foi ter com Deus (o que não é má ideia para qualquer alma que queira ser Quem Realmente É) e disse:
- Olá Deus! Agora que sei Quem Sou, posso sê-lo?
E Deus disse:
- Quer dizer que queres ser Quem já És?
- Bem, uma coisa é saber Quem Sou, e outra coisa é sê-lo mesmo.
Quero sentir como é ser a Luz! - respondeu a pequena Alma.
- Mas tu já és Luz - repetiu Deus, sorrindo outra vez.
- Sim, mas quero senti-lo! - gritou a Pequena Alma.
- Bem, acho que já era de esperar. Tu sempre foste aventureira - disse Deus com uma risada.
Depois a sua expressão mudou.
- Há só uma coisa...
O quê? - perguntou a Pequena Alma.
- Bem, não há nada além da Luz.
Porque eu não criei nada além daquilo que tu és; por isso, não vai ser fácil experimentares-te como Quem És, porque não há nada que tu não sejas.
- Hã? - disse a Pequena Alma, que já estava um pouco confusa.
- Pensa assim: tu és como uma vela ao Sol. Estás lá sem dúvida.
Tu e mais milhões, ziliões de outras velas que constituem o Sol.
E o Sol não seria o Sol sem vocês. "Não seria um sol sem uma das suas velas... e isso não seria
de todo o Sol, pois não brilharia tanto. E no entanto, como podes conhecer-te como a Luz
quando estás no meio da Luz - eis a questão".
- Bem, tu és Deus. Pensa em alguma coisa! - disse a Pequena Alma mais animada.
Deus sorriu novamente.
- Já pensei. Já que não podes ver-te como a Luz quando estás na Luz, vamos rodear-te de escuridão - disse Deus.
- O que é a escuridão? perguntou a Pequena Alma.
- É aquilo que tu não és - replicou Deus.
- Eu vou ter medo do escuro? - choramingou a Pequena Alma.
- Só se o escolheres. Na verdade não há nada de que devas ter medo, a não ser que assim o decidas. Porque estamos a inventar tudo. Estamos a fingir.
- Ah! - disse a Pequena Alma, sentindo-se logo melhor.
Depois Deus explicou que, para se experimentar o que quer que seja, tem de aparecer exactamente o oposto.
- É uma grande dádiva, porque sem ela não poderíamos saber como nada é - disse Deus - Não poderíamos conhecer o Quente sem o Frio, o Alto sem o Baixo, o Rápido sem o Lento. Não poderíamos conhecer a
Esquerda sem a Direita, o Aqui sem o Ali, o Agora sem o Depois.
E por isso, - continuou Deus - quando estiveres rodeada de escuridão, não levantes o punho nem a voz
para amaldiçoar a escuridão.
"Sê antes uma Luz na escuridão, e não fiques furiosa com ela. Então saberás Quem Realmente És, e os outros também o saberão.Deixa que a tua Luz brilhe tanto que todos saibam como és especial!"
- Então posso deixar que os outros vejam que sou especial? - perguntou a Pequena Alma.
- Claro! - Deus riu-se. - Claro que podes! Mas lembra-te de que "especial" não quer dizer "melhor"! Todos são especiais, cada qual à sua maneira! Só que muitos esqueceram-se disso. Esses apenas vão ver
que podem ser especiais quando tu vires que podes ser especial!
- Uau - disse a Pequena Alma, dançando e saltando e rindo e pulando. - Posso ser tão especial quanto quiser!
- Sim, e podes começar agora mesmo - disse Deus, também dançando e saltando e rindo e pulando juntamente com a Pequena Alma - Que parte de especial é que queres ser?
- Que parte de especial? - repetiu a Pequena Alma. - Não estou a perceber.
- Bem, - explicou Deus - ser a Luz é ser especial, e ser especial tem muitas partes. É especial ser bondoso. É especial ser delicado. É especial ser criativo. É especial ser paciente. Conheces alguma outra maneira de
ser especial?
A Pequena Alma ficou em silêncio por um momento.
- Conheço imensas maneiras de ser especial! - exclamou a Pequena Alma - É especial ser prestável. É especial ser generoso. É especial ser simpático. É especial ser atencioso com os outros.
- Sim! - concordou Deus - E tu podes ser todas essas coisas, ou qualquer parte de
especial que queiras ser, em qualquer momento. É isso que significa ser a Luz.
- Eu sei o que quero ser, eu sei o que quero ser! - proclamou a Pequena Alma com grande entusiasmo.
- Quero ser a parte de especial chamada "perdão". Não é ser especial alguém que perdoa?
- Ah, sim, isso é muito especial, assegurou Deus à Pequena Alma.
- Está bem. É isso que eu quero ser.
Quero ser alguém que perdoa. Quero experimentar-me assim - disse a Pequena Alma.
- Bom, mas há uma coisa que devias saber - disse Deus.
A Pequena Alma já começava a ficar um bocadinho impaciente. Parecia haver sempre alguma complicação.
- O que é? - suspirou a Pequena Alma.
- Não há ninguém a quem perdoar.
- Ninguém? A Pequena Alma nem queria acreditar no que tinha ouvido.
- Ninguém! - repetiu Deus. Tudo o que Eu fiz é perfeito. Não há uma única alma em toda a Criação menos perfeita do que tu. Olha à tua volta.
Foi então que a Pequena Alma reparou na multidão que se tinha aproximado. Outras almas tinham vindo de todos os lados - de todo o Reino - porque tinham ouvido dizer que a Pequena Alma estava a ter uma
conversa extraordinária com Deus, e todas queriam ouvir o que eles estavam a dizer.
Olhando para todas as outras almas ali reunidas, a Pequena Alma teve de concordar.
Nenhuma parecia menos maravilhosa, ou menos perfeita do que ela. Eram de tal forma maravilhosas, e a sua Luz brilhava tanto, que a Pequena Alma mal podia olhar para elas.
- Então, perdoar quem? - perguntou Deus.
- Bem, isto não vai ter piada nenhuma! - resmungou a Pequena Alma - Eu queria experimentar-me como Aquela que Perdoa. Queria saber como é ser essa parte de especial.
E a Pequena Alma aprendeu o que é sentir-se triste. Mas, nesse instante, uma Alma Amiga destacou-se da multidão e disse:
- Não te preocupes, Pequena Alma, eu vou ajudar-te - disse a Alma Amiga.
- Vais? - a Pequena Alma animou-se. - Mas o que é que tu podes fazer?
- Ora, posso dar-te alguém a quem perdoares!
- Podes?
- Claro! - disse a Alma Amiga alegremente. - Posso entrar na tua próxima vida física e fazer qualquer coisa para tu perdoares.
- Mas porquê? Porque é que farias isso? - perguntou a Pequena Alma. - Tu, que és um ser tão absolutamente perfeito! Tu, que vibras a uma velocidade tão rápida a ponto de criar uma Luz de tal forma brilhante que mal posso olhar para ti! O que é que te levaria a abrandar a tua vibração para uma velocidade
tal que tornasse a tua Luz brilhante numa luz escura e baça? O que é que te levaria a ti, que danças sobre as estrelas e te moves pelo Reino à velocidade do pensamento, a entrar na minha vida e a tornares-te tão pesada a ponto de fazeres algo de mal?
- É simples - disse a Alma Amiga. - Faço-o porque te amo.
A Pequena Alma pareceu surpreendida com a resposta.
- Não fiques tão espantada - disse a Alma Amiga - tu fizeste o mesmo por mim.
Não te lembras? Ah, nós já dançámos juntas, tu e eu, muitas vezes. Dançámos ao longo das eternidades e através de todas as épocas.Brincámos juntas através de todo o tempo e em muitos sítios. Só que tu não te lembras. Já fomos ambas o Todo. Fomos o Alto e o Baixo, a Esquerda e a Direita. Fomos o Aqui e o Ali,
o Agora e o Depois. Fomos o Masculino e o Feminino, o Bom e o Mau - fomos ambas a vítima e o vilão. Encontrámo-nos muitas vezes, tu e eu; cada uma trazendo à outra a oportunidade exacta e perfeita para Expressar e Experimentar Quem Realmente Somos.
- E assim, - a Alma Amiga explicou mais um bocadinho - eu vou entrar na tua próxima vida física e ser a "má" desta vez. Vou fazer alguma coisa terrível, e então tu podes experimentar-te como Aquela Que
Perdoa.
- Mas o que é que vais fazer que seja assim tão terrível? - perguntou a Pequena Alma, um pouco nervosa.
- Oh, havemos de pensar nalguma coisa - respondeu a Alma Amiga, piscando o olho.
Então a Alma Amiga pareceu ficar séria, disse numa voz mais calma:
- Mas tens razão acerca de uma coisa, sabes?
- Sobre o quê? - perguntou a Pequena Alma.
- Eu vou ter de abrandar a minha vibração e tornar-me muito pesada para fazer esta coisa não muito boa. Vou ter de fingir ser uma coisa muito diferente de mim. E por isso, só te peço um favor em troca.
- Oh, qualquer coisa, o que tu quiseres! - exclamou a Pequena Alma, e começou a dançar e a cantar: - Eu vou poder perdoar, eu vou poder perdoar!
Então a Pequena Alma viu que a Alma Amiga estava muito quieta.
- O que é? - perguntou a Pequena Alma.
- O que é que eu posso fazer por ti? És um anjo por estares disposta a fazer isto por mim!
- Claro que esta Alma Amiga é um anjo!- interrompeu Deus, - são todas! Lembra-te sempre: Não te enviei senão anjos.
E então a Pequena Alma quis mais do que nunca satisfazer o pedido da Alma Amiga.
- O que é que posso fazer por ti? - perguntou novamente a Pequena Alma.
- No momento em que eu te atacar e atingir, - respondeu a Alma Amiga - no
momento em que eu te fizer a pior coisa que possas imaginar, nesse preciso momento...
- Sim? - interrompeu a Pequena Alma
- Sim?
A Alma Amiga ficou ainda mais quieta.
- Lembra-te de Quem Realmente Sou.
- Oh, não me hei-de esquecer! - gritou a Pequena Alma - Prometo! Lembrar-me-ei sempre de ti tal como te vejo aqui e agora.
- Que bom, - disse a Alma Amiga - porque, sabes, eu vou estar a fingir tanto, que
eu própria me vou esquecer. E se tu não te lembrares de mim tal como eu sou realmente, eu posso também não me lembrar durante muito tempo. E se eu me esquecer de Quem Sou, tu podes esquecer-te de Quem És, e ficaremos as duas perdidas. Então, vamos precisar que venha outra alma para nos lembrar às duas Quem Somos.
- Não vamos, não! - prometeu outra vez a Pequena Alma. - Eu vou lembrar-me de ti!
E vou agradecer-te por esta dádiva - a oportunidade que me dás de me experimentar
como Quem Eu Sou.
E assim o acordo foi feito. E a Pequena Alma avançou para uma nova vida, entusiasmada por ser a Luz, que era muito especial, e entusiasmada por ser aquela parte especial a que se chama Perdão.
E a Pequena Alma esperou ansiosamente pela oportunidade de se experimentar como Perdão, e por agradecer a qualquer outra alma que o tornasse possível.
E, em todos os momentos dessa nova vida, sempre que uma nova alma aparecia em cena, quer essa nova alma trouxesse alegria ou tristeza - principalmente se trouxesse tristeza - a Pequena Alma pensava no que Deus lhe tinha dito.
Lembra-te sempre,- Deus aqui tinha sorrido - não te enviei senão anjos.
Texto: Neale Donald Walsch
Fonte: http://flordeluali.blogspot.com/
Repartir com quem queira minhas impressões no campo da pintura, paisagismo, espiritualidade, e artesanato, mostrando trabalhos e comentários pessoais, técnicas, receitas e história desses assuntos, pesquisados na internete, revistas, livros e outras fontes. Procurarei citar os créditos sempre que possível, caso contrário, peço aos devidos autores me comunicarem qualquer deslize e retirarei a obra imediatamente.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
NÃO COMEMORE O NATAL.
Peço que por uns segundos você esqueça o Shopping Iguatemi, o panetone (epa!), a árvore enfeitada, a mesa farta, o abraço protocolar dos parentes e me responda: o que se comemora mesmo no dia 25 de Dezembro?
Se não me engano é a data presumível do nascimento de uma criança paupérrima, cuja trajetória neste mundo pode ser resumida em uma frase que a tal criança, uma vez adulta, vivia repetindo: “ama o teu próximo como a ti mesmo”.
Se essa frase tivesse sido levada a sério, ao longo desses dois mil e nove anos poderíamos ter evitado um mar de sofrimento e clamor que marcou e tem marcado a presença humana no planeta: cruzadas assassinas, grandes guerras mundiais, escravidão de negros africanos, racismo de todas as formas, fome, miséria e aquecimento global.
Se a humanidade ocidental-cristã tivesse realmente aquela criança na conta de um deus, certamente que nem precisaria escrever leis absurdas, impor regras e limites de convivência, erguer “cercas embandeiradas que separam quintais” e outras complicações que estarrecem e empobrecem a vida.Bastaria ter o Sermão da Montanha como fonte de inspiração e orientador de condutas.
Mas a verdade é nunca demos a menor bola para o que o nosso aniversariante fez ou propôs.Montamos uma forma de viver, por essa banda do mundo, que corresponde exatamente ao contrário das suas melhores ideias.Construímos templos suntuosos para abrigar as correntes religiosas que fundamos e temos fundado, em nome de uma certa fé nesse homem que achamos ser Deus.Acontece que ele nunca pediu nada disso e até repudiava os que transformavam casas de oração em casas da moeda.
Inventamos e sustentamos milhares de padres e pastores que se arrogam professadores e exegetas da mensagem do “cara” e o fazem... da boca pra fora!
Por esses últimos dias, tivemos notícia de morte e desespero pelas chuvas de São Paulo, cenas explícitas de corrupção por bandidos de Brasília e do fracasso de Copenhague, cujos líderes, na sua maioria auto-intitulados “cristãos”, resolveram apressar, por simples egoísmo, a morte do planeta.
Por isso, se você se encaixa em alguma das categorias acima descritas, por favor, seja coerente e verdadeiro com você mesmo(a): no próximo dia 25, não comemore o natal.
Texto: Jorge Portugal
Educador e poeta.
Se não me engano é a data presumível do nascimento de uma criança paupérrima, cuja trajetória neste mundo pode ser resumida em uma frase que a tal criança, uma vez adulta, vivia repetindo: “ama o teu próximo como a ti mesmo”.
Se essa frase tivesse sido levada a sério, ao longo desses dois mil e nove anos poderíamos ter evitado um mar de sofrimento e clamor que marcou e tem marcado a presença humana no planeta: cruzadas assassinas, grandes guerras mundiais, escravidão de negros africanos, racismo de todas as formas, fome, miséria e aquecimento global.
Se a humanidade ocidental-cristã tivesse realmente aquela criança na conta de um deus, certamente que nem precisaria escrever leis absurdas, impor regras e limites de convivência, erguer “cercas embandeiradas que separam quintais” e outras complicações que estarrecem e empobrecem a vida.Bastaria ter o Sermão da Montanha como fonte de inspiração e orientador de condutas.
Mas a verdade é nunca demos a menor bola para o que o nosso aniversariante fez ou propôs.Montamos uma forma de viver, por essa banda do mundo, que corresponde exatamente ao contrário das suas melhores ideias.Construímos templos suntuosos para abrigar as correntes religiosas que fundamos e temos fundado, em nome de uma certa fé nesse homem que achamos ser Deus.Acontece que ele nunca pediu nada disso e até repudiava os que transformavam casas de oração em casas da moeda.
Inventamos e sustentamos milhares de padres e pastores que se arrogam professadores e exegetas da mensagem do “cara” e o fazem... da boca pra fora!
Por esses últimos dias, tivemos notícia de morte e desespero pelas chuvas de São Paulo, cenas explícitas de corrupção por bandidos de Brasília e do fracasso de Copenhague, cujos líderes, na sua maioria auto-intitulados “cristãos”, resolveram apressar, por simples egoísmo, a morte do planeta.
Por isso, se você se encaixa em alguma das categorias acima descritas, por favor, seja coerente e verdadeiro com você mesmo(a): no próximo dia 25, não comemore o natal.
Texto: Jorge Portugal
Educador e poeta.
domingo, 20 de dezembro de 2009
Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
Fernando Pessoa
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
Fernando Pessoa
domingo, 6 de dezembro de 2009
Dorival Caymmi, O Pintor
"É doce morrer no mar,
Nas ondas verdes do mar..."
Prá mim, essa é uma das músicas mais bonitas da MPB. É pura simplicidade, é pura poesia, é a doçura personificada. Falar sobre esse cantor e compositor bahiano é muita pretensão, pois acredito que tudo já foi dito, ou melhor, não precisa mais palavras, pois elas são apenas o simbolismo escrito do fato, do homem, e só mesmo a experiência direta prá entender esse artista inigualável.
Entretanto o pintor Caymmi é quase que desconhecido, pelo menos prá mim e acredito, para a maioria dos meus amigos. Não sei como, essa curiosidade martelou minha cachola e aí resolvi escrafunchar (como dizia minha saudosa mãe).
Como na música, suas pinturas são influenciadas pelo azul do mar, pelo requebrado das baianas, pela jinga da capoeira e mais do que tudo, pela negritude da Bahia.
"O pintar lhe faz bem..." , como diria seu compadre e amigo de todas as horas, Jorge Amado, tranquilizando Stella, mulher de Caymmi, que ficou apreensiva com a extrema dedicação do seu marido à pintura, receando que ele abandonasse a música, ou a colocasse em segundo plano, e as dificuldades financeiras que poderiam advir dessa atitude.
O amor pela pintura se tornou uma constante na vida de Caymmi - o convívio com artistas como Volpi, Rebolo, Pancetti e Graciano, no Clube dos Artistas e Amantes das Artes (conhecido como "Clubinho"), em São Paulo, estimulou ainda mais sua crescente atividade de pintor.
Seu estilo, nas próprias palavras do artista seria... "Eu acompanhei toda essa querela entre o Abstracionismo e o Figurativismo, mas não cheguei a uma posição definitiva. Sou um lírico em pintura. Gosto da harmonia das cores. Por outro lado, não posso me desprender da forma."
Além das paisagens, ele pintou vários retratos de amigos, familiares e autorretratos, principalmente nos idos de 40 e 50.
Esse artista, esse compositor, esse cantor, esse pintor, esse ser humano, esse Ser, ficou escrito, cantado e falado pelos quatro cantos do mundo, inclusive aqui no meu cantinho da prosopopéia e da verborréia - parafraseando o grande Gil - mas sobretudo, guardadinho no meu coração até o dia que eu acordar desse sonho e dormir em outro.
É doce morrer...
Nas ondas verdes do mar meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá
É doce morrer...
Nas ondas verdes do mar..."
Prá mim, essa é uma das músicas mais bonitas da MPB. É pura simplicidade, é pura poesia, é a doçura personificada. Falar sobre esse cantor e compositor bahiano é muita pretensão, pois acredito que tudo já foi dito, ou melhor, não precisa mais palavras, pois elas são apenas o simbolismo escrito do fato, do homem, e só mesmo a experiência direta prá entender esse artista inigualável.
Entretanto o pintor Caymmi é quase que desconhecido, pelo menos prá mim e acredito, para a maioria dos meus amigos. Não sei como, essa curiosidade martelou minha cachola e aí resolvi escrafunchar (como dizia minha saudosa mãe).
Como na música, suas pinturas são influenciadas pelo azul do mar, pelo requebrado das baianas, pela jinga da capoeira e mais do que tudo, pela negritude da Bahia.
O amor pela pintura se tornou uma constante na vida de Caymmi - o convívio com artistas como Volpi, Rebolo, Pancetti e Graciano, no Clube dos Artistas e Amantes das Artes (conhecido como "Clubinho"), em São Paulo, estimulou ainda mais sua crescente atividade de pintor.
Seu estilo, nas próprias palavras do artista seria... "Eu acompanhei toda essa querela entre o Abstracionismo e o Figurativismo, mas não cheguei a uma posição definitiva. Sou um lírico em pintura. Gosto da harmonia das cores. Por outro lado, não posso me desprender da forma."
Além das paisagens, ele pintou vários retratos de amigos, familiares e autorretratos, principalmente nos idos de 40 e 50.
Esse artista, esse compositor, esse cantor, esse pintor, esse ser humano, esse Ser, ficou escrito, cantado e falado pelos quatro cantos do mundo, inclusive aqui no meu cantinho da prosopopéia e da verborréia - parafraseando o grande Gil - mas sobretudo, guardadinho no meu coração até o dia que eu acordar desse sonho e dormir em outro.
É doce morrer...
Nas ondas verdes do mar meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá
É doce morrer...
Texto: Queila
Fonte: Dorival Caymmi: o mar e o tempo por Stella Caymmi
Fotos das pinturas: http://www.jobim.org/
Assinar:
Postagens (Atom)