quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O Pó de Antigas Estrelas Cadentes


Está fazendo um ano que um pedaço da minha vida deixou a forma e foi para o não-manifesto. No começo de Novembro e Dezembro de 2006 morreram meu irmão e meu pai. Foi uma dor tão grande que é até difícil dizer em palavras, só a emoção profunda e particular que ainda teima em se expressar em lágrimas, tristeza, saudade, lembranças, e gradativamente, em conforto, aceitação e agradecimento pelos longos anos vividos juntos.

Aqui nesse cantinho, quero fazer uma pequena homenagem a essas duas almas que me deram tanto amor e carinho. Agora cala a mulher e entra o poema de um filho que tanto amou o pai.



Amigo Coqui das Horas Incertas


Amigo coqui das horas alegres
Meu pai ainda tem planos de ir para a sua terra
Insistir nas pequenas conquistas
Plantar flores e beterraba
Caqueiros improvisados de caçarolas
Soltar os passarim das inúmeras gaiolas
Ouvir aquele galo cantar nas eternas madrugadas
Cuidar dos pintos, dos pombos
Dar pamonha aos meninos da rua
Comer bolo de farinha batido no Walita novo
Aprender fazer pudim de leite moça
E aquele bolo de banana ?
Usar chapéu-coco americano
Que a filha lhe deu
Ir para feira de Mumbuca comprar a tal pêra
Fruta de rico
Mais meia abóbora para a mistura que pretende fazer
Achar um remédio para as pernas bambas
Pois o mundo é somente aquele que elas alcançam
O resto é quá ou quanta ilusão
Beber café sem a mão tremer
Sonhar com uma nova namorada que nunca virá
Sentir o cheiro de Cashemire Buquet no ar
Falar putaria com as raparigas no brejo dos sapos
Condenar o fel da última amante
Depois de quatro anos de mel
Perguntar a si mesmo – Quem sou eu ?
Não encontrar respostas.
Inúteis respostas
Amigo coqui das horas amargas
Só você atende minhas tosses
Fala mestre, porquê não cansas ?
E esse tempo que não chega ?
Que não passa, mas insiste em desfazer, em contrariar
Será esse relógio do oriente que medita, medita, mas não marca ?
Será o janeiro que se aproxima ?
Tempo de emoções que se apagam
Memória se esvaziando
Simples como uma biblioteca,
De livros arrumados numa prateleira
Amigo coqui das horas incertas
Meu último desejo é ser vigia do ponto
Para que ele não perca a luz do dia
E que o ladrão, tão comum nestas terras, a carregue
E o mundo fique breu no definitivo
Quem sou eu ?
Uma estúpida estatística ?
Simples acaso, um preso imóvel na casca amolecendo ?
Percorrer o circo, como uma locomotiva já gasta, desvencilhar dos trilhos ?
Tombar, mesmo quando se tem urgência em prosseguir ?
Ser obrigado a aceitar desengano
Ver consciência desvanecer
Janela inconsciente se abrindo
Mergulhar em Deus
Descobrir o desconexo como tradução dos elos
Combinação dos mundos
Perplexo, em inocente devaneio,
Voltar a ser pó de antigas estrelas cadentes
Amigo coqui das horas mortas
Porque não cantas o desenlace?
Não choras as asas caídas?
O vôo sustado no ar

Hoje, um homem de 1912, acaba de virar esquina
Mesmo que corras até lá, não mais o verás
Aquela esquina é uma dobra do tempo.


Gélbio Melo



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